domingo, 30 de novembro de 2008

"E não nos deixeis cair em tentação..." (Comentários sobre o post "Ave Nilza cheia de graça")

O jantar no Brasil, Jean-Baptiste Debret.



Achamos interessante publicizar um debate importante que começamos a travar a partir de um Post que coloquei no blog.
Seria rico se alguém mais pudesse contribuir e apresentar mais uma forma de "olhar", sentir ou pensar a questão.
Até porque não teríamos como encerrrá-la, penso eu.
Menina MA

Menina F disse...
Menina MA fala das relações entre domésticas e filhos/filhas de patroas que parecem bem típicas das relações sociais brasileiras. Será que isto tem raízes da Casa Grande, que como Gilberto Freyre fala, estava sempre cheia de escravos domésticos e seus filhos? E da relação amorosa entre a ama de leite e o senhorzinho, do ciúmes da senhora branca do mulher negra escrava com o senhor branco... Enfim.
Mas eu queria era contar um caso que me aconteceu. Um francês em minha casa ficou surpreso com o fato de que a empregada doméstica, aqui chamada de "secretária" ( - porque não chamamos os negros de negros, as empregadas de empregadas?), sentar-se à mesa do almoço junto com a família. Ele perguntou: mas quando você vai ao restaurante você chama o cozinheiro para sentar com você? É a mesma relação: você paga para alguém cozinhar para você.
Esse hábito, motivo de orgulho para a minha família, olhado de um ponto de vista estrangeiro, parece menos sujeito a qualquer forma de aprovação, me lembra mais as relações cruéis de sujeitação emocional da Casa Grande.... lembra o desenho do Debret? A negra abanando a senhora, o menino negro brincando no chão e mesa farta posta para o deleite dos senhores.
Temos dificuldade de dar nomes aos bois, assumir nosso preconceito, assumir nossa sociedade altamente hieraquizada, cada macaco no seu galho, preto, branco, pobre, rico, sem misturas. Tanto medo e tanta covardia que vamos inventando formas de relação perversas como a Casa Grande, a democracia racial, as favelas, o rei disso o rei daquilo... mas por que não assumimos logo a nossa condição de súditos?
29 de Novembro de 2008 12:39
Menina MA disse...
Quando escrevi este post e reli, sabia que poderia dar margem a vários outros comentários, interpretações... mesmo assim, quis arriscar abrir o coração e "rasgar o verbo" ou a "taioba", como se diz lá em Minas. Pois bem, é para isto que se serve a escrita ("se serve" mesmo, não foi erro de concordância). Isto é bom para desanuviarmos as idéias, dando um melhor acabamento a "obra", como bem nos ensina um grande filósofo da linguagem, Bakhtin.
Li também "Casa Grande e Senzala" e estudei algum tanto de relações raciais no Brasil e em outros lugares do mundo; refleti também sobre a tão proclamada "democracia racial" que escamoteia muito bem o lugar de cada um nesse nosso "lugar" maior, chamado país. Há uma hierarquia sim, forte, que quase ninguém quer de fato mexer porque quase todo mundo "acha" que vivemos bem assim, tão "felizes" por tudo poder se misturar e ao mesmo tempo ficar em seu devido lugar, quando o "samba" pára de tocar. Porém, há algo de bem mais complexo nisso tudo.
Pensar esta nossa realidade é mesmo algo muito mais complexo e indeterminado, como Morin poderia dizer; tão mais além vão todas essas relações, valores, poderes e afetos... Há tanta subversão e sutileza escondidas também dentro da riqueza deste "cotidiano"; do vivido no dia a dia da atualidade e do passado, deste país. Há também um certo hibridismo nas formas de existir que é fruto de toda esta confluência cultural e conjuntural; que faz surgir também concepções inovadoras ou pelo menos pouco conformadas (mesmo que num movimento micro). Não tem como ser simples ou usar uma lógica compartimentada nestes assuntos, quando eles dizem respeito ao nosso mundo pessoal; não tem como ser politicamente correto porque soa, e seria, falso. Há sim, afetos, valores e concepções sendo criadas, questionadas e redimensionadas - sempre houve, acredito eu - porém, nunca numa dimensão tão revolucionária (pelo menos não, neste nosso país).
Mas, resumindo, e voltando ao cerne da questão inicial, não deixo de ser a "patroa" da Nilza (eu é que pago pelo trabalho contratado com ela... mesmo estando no vermelho) e também não deixo de gostar da companhia dela à mesa, somente porque gosto de bater papo com ela e construímos uma certa empatia recíproca - e por que não... (Não me sentindo, porém, mais bacana ou "cordial" por isto; não mesmo! Acho somente uma sorte poder não me sentir separada dela por um abismo infinito causado pela erosão de nossa desigualdade social e esta convivência ser de alguma forma, também, muito enriquecedora).
A diferença é que tendo alguma consciência disso tudo que foi dito acima; vivo no Brasil de hoje... num país onde ainda reina a desigualdade, o desemprego e a pobreza... o subemprego, a exploração de mão de obra (até mesmo escrava) e a miséria.
E sabendo (hoje) que não posso mudar tudo e inverter qualquer ordem neste país ou quiça no mundo, sozinha... descobri (dentro desta solidão) que posso começar a subverter algo no meu mundo interior; seja no mundinho do meu pequeno conjugado, da minha mente ou do meu coração. (rs)
E realmente não sei se há racismo ou "sujeição emocional"melhor... se seria o "à francesa" (mais frio e impessoal, talvez) ou o "à brasileira"(afetivo e caloroso até demais). Todos eles, na minha opinião, são péssimos "pratos" para se servir, quentes ou frios.
29 de Novembro de 2008 21:49

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