sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Um "outro ensaio" sobre a cegueira ou uma "nova cena" sobre a visão




Alguns dias depois de ver o filme dirigido por Fernando Meirelles (que nos dá motivo para sentir orgulho do fato de sermos brasileiros), volto a vida normal. A cegueira branca tão bem retratada pelo moço nos faz perder a fala; ficamos meio mudos.
Ler o livro de Saramago sobre a cegueira não encerra as visões que podemos ter com sua bela ficção/reflexão literária. Não tem muito o que dizer... Vale a pena ver, quem tem olhos de ver, ou pelo menos ouvir atentamente os sons desta belíssima encenação (montagem) cinematográfica.

Trabalhei com um professor que era cego durante alguns anos. Lia para ele algumas vezes e, talvez, esta convivência tenha sido uma das coisas que mais alteraram os meus "sentidos". Ele me emprestava sua visão do mundo e eu emprestava os meus olhos à ele. Emprestava a minha voz (também), tão desperdiçada, para dar vida as palavras amortecidas nos livros de história, placas de ônibus ou cardápios de lanchonete.

Mas, poucos dias depois de ter visto o tal filme do tal livro que deu origem a um "ensaio" sobre a cegueira, presenciei uma "cena" viva, pulsante, que cobria a cegueira e a visão - tudo junto e ao mesmo tempo. (Ainda não tivesse a tal linguagem para transformá-la num "ensaio".)
Um casal formado por um homem e uma mulher cegos, caminhando por um passeio com sua filhinha bem pequena, que enxergava.
A menina olhava para todos os lugares ao seu redor e comentava o mundo que via com os pais; que ao mesmo tempo em que tentavam advinhar o que ela estaria enxergando, davam-lhe uma orientação àquela visão.

A "cegueira" dá a luz a quem enxerga... A cegueira dando orientação à uma "nova" visão.
Metáforas para "ensaios" e "cenas" que envolvam os sentidos.
Menina MA


3 comentários:

Flávia Pires disse...

O "Ensaio sobre a Cegueira" foi o primeiro livro do Saramago que eu li. Foi paixão para a vida toda. Paixão de família: meu pai leu, depois eu li, meu irmão mais velho leu e depois a irmã, o outro irmão, a prima...
Quero muito ver o filme, principalmente, porque vi, em entrevista, o velho Saramago com a voz embargada dizer ao Meirelles que a felicidade que ele experimentou ao terminar o livro era semelhante àquela de quando ele assistiu ao filme, ao lado dos realizadores.
E viva a língua portuguesa!

Flávia Pires disse...

ps: a metáfora da visão é útil, mas pode implicar em passividade do objeto/ sujeito que é olhado e em agência apenas do lado de quem vê, observa a realidade. O objeto não pode esconder-se ou mostrar-se - ele não escolhe. É visto, mesmo que não queira.

Menina MA disse...

Acho bacana que as frases, metáforas, possam despertar diferentes visões. Não tem como explicar melhor o que foi dito ou refutar... Cabe mesmo várias leituras, interpretações. Até porque metáforas são inclusivas: acolhem os sentimentos. rs