Seu Zé, que vendia picolé, nascido na fazenda onde seus pais, negros escravos, trabalhavam, acaba de ganhar na loteria. Ganhou, mas não vai levar. Seu Zé é um zé ninguém. Mora no asilo. Seus familiares assinaram um termo de concessão de tutela para a instituição que vem cuidado do idoso há 5 anos. Seu Zé tem mais de 90 anos, mas anda, gosta de jogar dominó e da canja de galinha que nas terças-feiras é servida no asilo. Tem 5 filhos e 12 netos. Não cabia na casa de ninguém. Uma nora não gosta dele. Um genro está desempregado. Três crianças pequenas é trabalho demais para uma filha. Filho homem não cuida de pai idoso e assim por diante. Hoje, neste país, todo idoso pobre tem direito a uma aposentadoria, seja como trabalhador, rural ou não, seja através do repasse do Benefício de Prestação Continuada. O asilo onde Seu Zé mora fica com 70% do seu benefício, com os quais compra remédios, paga os funcionários, a luz, água, comida e até umas festinhas de vez em quando. Os 30% restantes, Seu Zé emprega neste pequeno luxo da vida: a jogatina. Aposta em tudo: bicho, loteria, mega-sena, até rifa e bolão. Ele está em todas. E agora ganhou. Sim, ganhou. Com isso, a vida poderia dar uma guinada. Seu Zé poderia sair do asilo, comprar uma casinha, pagar uma pessoa para lhe fazer a comida, arrumar a casa e até lhe fazer companhia. Quem sabe, não arranja uma esposa? Quem sabe a dona patroa não quer voltar para ele? Quem sabe um dos filhos não lhe aceita, ele pode pagar a reforma da casa da mais nova, comprar o terreno do mais velho. Não sabemos o que vai acontecer. O asilo já está contactando o advogado, o dinheiro é nosso. A família, do outro lado, não tem dúvidas de que aquele dinheiro pertence ao pai e só ao pai. E claro que um pai não deixa os seus filhos na mão. Pai é pai (parente do mãe é mãe). Mas para Seu Zé, nada mais importa, ele não quer saber, mostrou-me o bilhete premiado e me disse: eu ganhei na loteria, taqui o bilhete premiado! E acrescentou, num suspiro aliviado: agora posso até morrer sossegado...
Qualquer semelhança com realidades vividas é a mais pura coincidência...
2 comentários:
Agora que estou fazendo um trabalho voluntário no asilo vejo o quanto os idosos foram abandonados pelos seus parentes. Nunca tem tempo ou condições para cuidar da pessoa que deu-lhes a vida, educação, alimento. Tudo o que uma pessoa precisa para crescer e se transformar em alguém. Mas o tempo e as condições infelizmente aparecem quando o idoso vem acompanhado com uma bolada de dinheira. Ai a família briga pra ver com quem vai ficar o vovô só para se apossarem do dinheiro. uma triste realidade que é muito difícil da acontecer, não porque as pessoas são muito humanas, mas porque não é sempre que alguém ganha na loteria.
O seu Zé tem muito em comum com meu avozinho... trabalhou sempre, criou os filhos e adora uma apostazinha...
A sorte do meu avo é que ele gosta de ser sozinho, lá na casinha dele... Já tentamos trazer ele pra casa, mas nada...
A velhice na nossa cultura é estorvo. Uma pena mesmo...
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