domingo, 25 de abril de 2010


O apanhador de desperdícios


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros

Memórias Inventadas
As infâncias de Manoel de Barros

6 comentários:

George Ardilles disse...

Manoel de barros é um grande. Adoro lê-lo para aprender novas palavras e novos sentidos.

Princesa de Papel disse...

Delícia de poesia!!
Saudades querida amiga!
Mãe da Amora

Fernanda Fiuza disse...

Muito bacana!
bjs

Unknown disse...

Legal!

Unknown disse...

Muito bom irmã.
Poesia para a alma,
palavras para o vento.

Negra Rô disse...

Muito lindo este poema e obrigada por ter entrado no meu blog e comentado.
Abraços e vamos dialogando.