quinta-feira, 4 de março de 2010

Uma Apreciação do Livro Leite Derramado (2009) de Chico Buarque



O livro Leite Derramado de Chico Buarque é uma obra de mestre. Ganha em muito de Budapeste, que tem a prosa algo pegada, difícil, lenta. Ao contrário, Leite Derramado é abundante, flui nutritivo como o leite que corria generoso dos seios brancos de Matilde. Ah, Matilde, a mulatinha morta aos 17 anos não se sabe exatamente de quê...
Não apenas Matilde fica morando na nossa lembrança, - (como é dito na orelha do livro)- , como uma recordação de coisa não vivida, como nos enamoramos do próprio velho Eulálio. Que importa se ele seja no fundo um aristocrata, racista, segregacionista nada afeito aos ideias republicanos e pouco gentil com as classes populares. Pouco importa, o velho toma nosso coração – talvez, a maneira de Chico – e não importa que asneiras diga!
Li o livro com dó. Li os primeiros capítulos e tive que relê-los. Li cada palavra com se sorvesse um vinho raro, cujo sabor queremos capturar para sempre na boca. Guardei o livro para um momento especial em que eu pudesse ser só dele e ele só meu. Mas não queria lê-lo todo de uma vez, relutava, era bom demais, tive dó de continuar. Acho que isso nunca tinha me acontecido. Normalmente devoro os livros com a fome de Eulálio quando viu Matilde pela primeira vez na missa de seu pai morto. Mas com este livro algo diferente aconteceu comigo. Fui hipnotizada, talvez, apaixonei-me realmente por Eulálio. Talvez temesse sua morte. E por falar nela, as últimas páginas há surpresa – ao narrar a morte de seu tataravó é que morre Eulálio, o narrador.
O livro é leve - pesa pouco- , e breve – apesar de tanta vida. Leva o leitor a risada. Taí talvez sua genialidade: é complexo, profundo sem ser pedante, sem errar no tom. É através da narrações desordenadas no velho que compomos o cenário, sem nexo, juntando os pedaços, confundindo as estações e, ás vezes, fazendo algum sentido. É a própria natureza da vida do homem – um tanto sem sentido, a se perder nas curvas dos rios dos acontecimentos, tantas vezes a se desperdiçar como o leite que Matilde negava a menina e escorria pesado pela pia. A confusão do velho é não menos companheira da vida que dos velhos. É a vida mesma que não pode ser vivida senão como foi narrada por Eulálio: como uma (re)invenção constante. E salve Cecília Meireles!

4 comentários:

Flávia Pires disse...

Agradeço Vanessa quem me emprestou o livro.

Menina MA disse...

Adorei...
Que delícia suas palavras sobre o livro. Algo como um "leite derramado"... meio adocicado, morno (na temperatura certa...), enternecido.

Vontade de ler que deu!

Anônimo disse...

Mas eu não entendi uma coisa. Como é que Eulálio morre ? No mesmo ospital ?

Anônimo disse...

hospital *