quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Comida de "macho" (Reflexões gastronômicas sobre gênero)


Outro dia, tive o prazer de conhecer um restaurante, meio que por acaso, no centro do Rio de Janeiro.

Queria comer uma comidinha mais caseira, tipo arroz com feijão, e me lembrei de algum lugar que tinha passado em frente, na Travessa do Ouvidor (centro do Rio).

Lá fui eu, então, à digníssima ruela em busca daquele restaurante que mais parecia uma galeteria das antigas. Balcão com muitos atendentes, bem cheio, e com a tradicional placa na porta com o preço da refeição escrito em giz branco.

Uma mulher perto do caixa me vê parar e olhar fixamente, meio sem entender o "esquema", aproxima-se e explica. São R$ 12.00 tudo: comida, refresco e sobremesa, mas não aceitamos cartão de crédito.

Olhei para dentro, expiei um pouco e resolvi andar mais e visitar outros lugares na rua, para só depois, voltar e experimentar a tal refeição que parecia robusta, no restaurante de nome exótico, "Esquimó". (Algo no mínimo antagônico ao calor que estava nos derretendo feito gelo, esses dias no Rio de Janeiro)

Então, tomei coragem (vocês já vão entender o porquê...) e entrei. Fui encorajada ainda mais com a "visão" de uma mulher, quase senhora, em meio a um amontoado de homens no balcão.
Lugar perto, não tinha... mas assentei-me decidida e resoluta no balcão de trás com meus companheiros "de rancho". Era um restaurante com alma "viril", quase uma confraria de machos; cspaço que poderia ser melhor entendido se pensarmos, comparativamente, nos salões de beleza, onde geralmente, mulheres, tendem a se sentir um tanto à vontade.
Gente, foi uma experiência!
Não fui educada para sentir-me mal por estar num ambiente com muitos homens ou em lugares ou atividades quase que estritamente masculinas. Aliás, adorava acompanhar meu pai nos eventos "sociais" dele quando era mais nova.
Mas há muito não entrava em um ambiente com tanta testosterona, tradições e ritualismos masculinos. Senti-me quase que uma espiã, desvendando segredos da masculidade. Alguém não exatamente malvisto(a) ou incoveniente ao ambiente, mas nitidamente fora de seu lugar.
Eram homens!!! Servindo, chegando, comendo, conversando... e papos já "acordados" tacitamente por garçons e clientes, que já sabiam os times de futebol uns dos outros, etc. Alguns garçons, vendo um cliente familiar chegar, escolhiam um lugar próximo e o convidava a se sentar.
A escolha da comida, dos acompanhamentos, parecia ser quase "adivinhada" pelo "companheiro" que o servia. "O de sempre?" "O de sempre, mas com salada de beterraba."

Um grupo de rapazes mais ou menos jovens que chegara, momentos depois, fazia brincadeiras continuamente com o senhor que os atendia, com sotaque espanhol, aumentando a cada meio minuto o número de pedidos do mesmo prato, bife à milaneza com ovos estalados... E o senhor gritava para algum outro "homem" que preparava o prato, mais à frente. Risonho, mas com voz firme e colocada, aumentava progressivamente a quantidade de bifes com ovos estalados: "quatro bifes com ovos...", "cinco bifes..." E o pedido era sempre refeito como num espetáculo cômico, projetado na voz solene deste garçon locutor.
Enfim, os sons groturais das vozes dos atendentes que faziam os pedidos combinavam com os sons da bateria de pratos e talheres sendo empilhados. Fazer barulho não só era permitido como parecia parte mesmo da sonoplastia viril do local. Quase que uma música para os ouvidos dos clientes habituais.
Mas se narrasse o cuidado com os pratos servidos, o tempo de chegada do pedido e o bom astral do atendimento, poderia fazer muita gente se enganar tendondo imaginar um ambiente "sem frescura". O que vi foi uma atenção e presteza como poucas vezes, em busca da satisfação do cliente cativo do lugar (o que cativava outros(as)... como eu).
A cena que presenciei de um garçon cortando em pedacinhos o mamão da sobremesa de seu cliente que estava com uma das mãos machucadas, foi de uma delicadeza até pouco viril.

Enfim, na fila para o pagar o PF deparei-me com uma reportagem na parede, sobre um chef francês famoso por aqui, que em visita ao local, elogiou a comida do lugar.

Quero muito voltar lá, mas já marquei a próxima visita com uma amiga, para não me sentir tão "fora do lugar" sozinha e poder apreciar novamente a gostosa e honesta comida, para macho nem fêmea nenhum botar defeito!
Desculpem-me os exageros de gênero... rs
Endereço: Travessa do Ouvidor, 36. Centro do Rio
Outros blogs que comentam o restaurante
comerbemrio.blogspot







3 comentários:

Dolores disse...

Além de me parecer uma incursão antropológica muito interessante, a comida parece ser das boas.
Eu adoro uma comida dessas de vez em quando. Porque nem só de saladinha vive uma moça bem educada. Eu preciso de feijão com arroz para me nutrir.
Nutrir o corpo e a alma.
Vc já viu que mandei um selinho para vc?
Veja lá no blog.
Beijo grande

Menina MA disse...

Vamos comer o PF com a gente tb? Está convidadíssima! Eu tinha tirado o "atropológico" do texto. rs
Bom, que vc acrescentou aqui no comentário.
(Eu e minhas crises de identidade acadêmicas constantes.)
bjs

Flávia Pires disse...

adorei! tb quero comer em meio a testosterona!